Muitos “amigos desaparecidos” vão voltar a dar as caras por aqui a partir do ano que vem, previu em entrevista ao Jornal Nacional o candidato do PT ao Palácio do Planalto, Luiz Inácio Lula da Silva. Ele disse que a sua possível vitória nas eleições recolocaria o país no roteiro dos grandes encontros internacionais.
“Eles vão nos visitar porque o Brasil vai ser amigo de todo o mundo”, disse Lula ao apresentar sua visão de uma nova política externa. “O Brasil não tem contencioso internacional”, avaliou.
De fato, existem mesmo muitos “amigos desaparecidos”. A pandemia pode ter sua parcela de responsabilidade nisso, mas Brasília passou os quatro anos de mandato de Jair Bolsonaro longe do roteiro dos principais líderes mundiais.
Dizem que, na diplomacia, os gestos contam muito. Pois também contam os silêncios. E é possível perceber muito do isolamento do Brasil, ao longo desse mandato, por tudo o que não foi dito a respeito do país. Como se ele tivesse ficado guardado para um momento melhor.
O Brasil já foi, por exemplo, protagonista nos debates globais sobre o meio ambiente. Pelo menos desde a realização da conferência Rio 92, delegações brasileiras haviam sido parceiras incontornáveis nas negociações sobre temas como biodiversidade e mudança climática.
A mudança na política ambiental brasileira isolou o país. Ao contrário de ser visto como potência ambiental, o Brasil se tornou uma espécie de vilão nos debates sobre o tema. O grande aumento do desmatamento da Amazônia, sob a gestão Bolsonaro, retirou do país o seu protagonismo.
As frequentes ameaças de Bolsonaro à democracia também contribuíram para esfriar as relações entre o país e seus tradicionais parceiros na América do Norte e na Europa Ocidental. A viagem mais importante do presidente brasileiro ao exterior, neste ano, talvez tenha sido à Rússia de Vladimir Putin, pouco antes da invasão da Ucrânia.
Por tudo isso, pode ser mesmo que uma possível derrota de Bolsonaro nas urnas eletrônicas que ele tanto critica comece a atrair novamente a atenção das principais potências mundiais ao Brasil. Pode ser que a pessoa que o venha a substituir no Palácio do Planalto seja convidada a visitar capitais de maior peso político, e que Brasília venha a receber novos líderes mundiais.
Mas que mundo será esse, depois de quatro anos? O que haverá de diferente, por exemplo, do mundo no momento em que Lula tomou posse para seu primeiro mandato, em 2003? Mais ainda: haveria espaço para uma reedição da política externa promovida pelo PT naquela época?
As mudanças na realidade global contemporânea podem começar a ser analisadas a partir de nosso próprio entorno geopolítico. No começo do século a América do Sul vivia o momento do boom das commodities, que inundou de recursos externos uma região então amplamente governada por líderes de esquerda, embora com suas diferentes visões políticas.
Uma nova safra de líderes considerados progressistas começa a governar a região mais uma vez, a partir de países como Chile e Colômbia. Mas será uma geração com os pés no chão. Um chão empobrecido após uma pandemia e uma crise econômica global.
Nas relações com a Europa o Brasil viveu seus piores momentos nesses quatro anos, em boa parte por causa da questão ambiental. Daí veio o adiamento da entrada em vigor do acordo de associação entre o Mercosul e a União Europeia – que lideranças bolsonaristas insistem em atribuir a uma espécie de neoprotecionismo ambiental.
Os Estados Unidos se livraram das ameaças igualmente golpistas de Donald Trump, mas ainda procuram seu novo rumo sob a liderança de Joe Biden. Também nesse caso existem resistências em relação ao atual governo brasileiro, e pelas mesmas causas: a postura ambiental e as ameaças ao regime democrático.
Para completar este cenário de grandes desafios existe uma rivalidade cada vez maior entre os Estados Unidos e a Europa, de um lado, e, do outro, grandes potências nucleares como Rússia e China – dois importantes brasileiros no Brics, composto ainda por Índia e África do Sul.
Essa intensa rivalidade foi descrita há poucos dias pelo embaixador Celso Amorim, ex-ministro de Relações Exteriores de Lula, como uma das principais características do atual cenário internacional. Em palestra para acadêmicos no Brics Policy Center, no Rio de Janeiro, ele descreveu desafios e possibilidades na cena contemporânea.
“A situação do mundo está muito difícil, pois as rivalidades assumiram nível muito grande de hostilidade”, observou Amorim, que reiterou suas críticas à invasão russa da Ucrânia e defendeu a busca de uma solução negociada para a questão.
“A paz é urgente”, disse Amorim. “Estamos falando de potências nucleares, e pela primeira vez desde a crise dos mísseis em Cuba há um risco real”.
Ao comentar a busca de paz, Amorim deixou entrever o que poderia ser uma nova postura do Brasil, no caso de vitória de Lula. Em sua opinião, será necessário costurar rapidamente um acordo entre Rússia e Ucrânia.
Para isso, seriam necessários países capazes de falar com os dois lados, e o único país com capacidade de persuasão sobre a Rússia nesse momento, a seu ver, é a China. Como seria difícil para ela agir sozinha, o próprio grupo dos Brics poderia ajudar a fomentar a paz.
Um Brics ampliado, em sua opinião. O ex-chanceler acredita que o grupo poderia conquistar novos sócios, como a Argentina e outro país africano. Esse mundo novo, para Amorim, precisa buscar formas mais pacíficas de convivência para poder se dedicar com mais atenção a problemas urgentes como a mudança climática – aqui de novo a questão ambiental.
“A gente precisaria ter inspiração no Papa Francisco, pois a paz é urgente”, alertou Amorim. “Se não bastassem as ameaças globais como o clima e a justiça climática, as pandemias e as desigualdades, imensos desafios que exigem cooperação, existe agora uma ameaça nuclear”.
Um mundo mais perigoso, como mostra o antigo chanceler. Mas também aberto à busca de novas soluções, para as quais, a seu ver, o Brasil poderia vir a colaborar sob um novo governo.
Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.
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