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Números contradizem fala de Haddad de que receita estaria subestimada

Números contradizem fala de Haddad de que receita estaria subestimada

Questionado sobre como lidará com os desafios fiscais no novo governo, o futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse acreditar que o orçamento público pode trazer uma boa surpresa em 2023, uma vez que as receitas estariam subestimadas.

“A primeira providência que vou tomar no começo do ano é reestimar a receita. Na minha opinião, está subestimada”, disse Haddad ontem (14/12), no evento em que anunciou dois dos seus secretários da Fazenda.

Esse representaria o melhor dos mundos para o governo, uma vez que seria como achar um bom dinheiro que você não lembrava estar perdido no fundo de uma gaveta. Mas como se sabe, a realidade não é tão simples. Apesar do otimismo do futuro ministro, a situação das contas públicas tende a ser pior no ano que vem.

Em paper publicado no mês passado, o economista Bráulio Borges, da LCA Consultores, explica que o aumento de arrecadação visto em 2021 e 2022 não deve se repetir em 2023. Isso porque boa parte dos efeitos que ajudaram a engordar o caixa do governo nos últimos dois anos terão vigência limitada.

O primeiro deles foi o aumento de receitas vindas do setor de mineração e petróleo – seja porque as empresas do segmento pagaram mais impostos, por terem produzido mais, seja por causa da distribuição de dividendos da Petrobras ao Tesouro, que somaram R$ 62 bilhões apenas em 2022.

A alta nas cotações de commodities, motivada pela guerra entre Ucrânia e Rússia, levou o setor extrativista brasileiro a um crescimento em um ritmo forte neste ano. A redução na oferta global de produtos básicos gerou receitas recordes na Vale e Petrobras, por exemplo.

Embora não haja como prever o fim da guerra, espera-se que o processo de alta de juros nas economias desenvolvidas (principalmente nos Estados Unidos e Europa) freie a demanda por produtos básicos. Em outras palavras: a lua de mel que o setor de commodities viveu parece estar perto do fim.

“A perspectiva é de tais receitas [com o setor extrativista] recuem na passagem de 2022 para 2023, voltando a subir somente de 2024/25 em diante”, prevê o economista.

No estudo, Borges explica que esse aumento extraordinário de arrecadação garantiu ao governo de Jair Bolsonaro um biênio de superávit primário – ou seja, a diferença entre receitas e despesas da União, excluindo o pagamento de juros da dívida pública, ficou positiva em 0,7% em 2021 e cerca de 1% em 2022. Mas se excluirmos da conta as receitas advindas do setor extrativista, o superávit do biênio desaparece, e as contas do governo ficam no vermelho.

Queda no desemprego ajudou

Outro fator determinante para a melhora nas contas do governo, e que deve ter efeito limitado no ano que vem, foi a melhora no mercado de trabalho. A taxa de desemprego encostou em 15% no primeiro trimestre de 2021 e foi reduzida para 8,3% no trimestre encerrado em outubro de 2022.

“A melhoria da arrecadação gerada tanto pelo forte aumento das receitas ligadas ao setor extrativo como da redução da ociosidade da economia [em razão da queda do desemprego] somente se transformou em melhoria do resultado primário na medida em que as despesas primárias cresceram em ritmo inferior às receitas”, escreve Borges, no paper.

E as receitas só cresceram acima das despesas por causa do teto de gastos e por um congelamento de despesas de estados e municípios negociado como contrapartida da ajuda financeira concedida pelo governo federal durante a pandemia. Sem tais mecanismos de controle, o superávit também não teria existido.

O problema, como lembra o economista, é que o principal freio do descontrole de despesas, o teto de gastos, foi desmontado durante 2022, com o objetivo de financiar uma política de auxílio planejada a toque de caixa pelo governo Bolsonaro.

“Embora os resultados primários correntes tenham apresentado elevação expressiva e surpreendente, isso não se traduziu em melhoria da sustentabilidade fiscal intertemporal. Isso porque as mudanças implementadas de modo a viabilizar aumento dos gastos às vésperas das eleições gerais desmoralizaram a principal regra fiscal em vigor no Brasil (o teto de gastos) e geraram forte deterioração das expectativas quanto à trajetória futura do endividamento público”, observa Borges, no estudo.

Dado que a equipe de Lula discute despesas fora do teto ao longo de todo o mandato, o terceiro pilar que sustentou um resultado melhor das contas públicas também deve ruir. Enquanto não se discute um novo arcabouço fiscal, as perspectivas dos economistas são de um avanço de despesas que deve levar a um crescimento da dívida pública.

Sem a ajuda da arrecadação advinda principalmente do setor de commodities, sem o teto de gastos e com a geração de empregos desacelerando, a surpresa que o orçamento de 2023 trará está longe de ser a de achar um dinheiro no fundo da gaveta, como deseja Haddad.

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