Perto de completar dois meses, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva expõe uma disputa ruidosa na sua área mais sensível. Em manifestações públicas nos últimos dias, o PT e líderes da legenda no Congresso fizeram coro contra a retomada da cobrança de impostos federais nos combustíveis e por uma nova política de preços para a Petrobras. A pressão petista atinge em cheio o principal ministro da legenda na Esplanada: o titular da Fazenda, Fernando Haddad, que defende a reoneração. E, por tabela, o presidente da Petrobras, o também petista Jean Paul Prates.
Lula deve arbitrar a decisão, que tem de ser tomada até a próxima terça-feira, quando termina o prazo da isenção do PIS/Cofins para gasolina e álcool. O tamanho do ministro da Fazenda no governo será medido até lá. A equipe econômica argumenta não haver espaço fiscal para a manutenção da desoneração sobre combustíveis. A prorrogação da medida custaria R$ 28,8 bilhões aos cofres públicos até o fim do ano. Haddad, que declarou no discurso de posse ser o “patinho feio” da Esplanada, corre o risco de fazer valer sua profecia e colher sua terceira derrota em dois meses.
No fim do ano passado, o ministro brigou pelo fim da isenção de PIS/Cofins sobre gasolina e álcool, mas foi vencido pelo núcleo político. No dia 1.º de janeiro, Lula prorrogou a medida por dois meses. Outra derrota sofrida pelo ministro foi em relação à correção da tabela do Imposto de Renda. Haddad defendia a adoção da medida em 2024. Lula, porém, anunciou agora a correção, juntamente com o reajuste do salário mínimo para R$ 1.320, em maio.
Nas duas ocasiões os movimentos de Lula foram antecipados em posts da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, no Twitter. Enquanto Haddad representava o Brasil no encontro do G-20, na Índia, Gleisi e outros líderes petistas recorreram às redes sociais para minar a ideia de reoneração, que, na prática, significa aumento no preço dos combustíveis na bomba. O temor de setores do PT e da ala política do governo é de que a alta dos preços no primeiro ano de governo possa atingir fortemente a popularidade de Lula e reacender a polarização radical da política nas ruas e no Congresso.
REAÇÃO. Anteontem, a presidente do PT escreveu: “Não somos contra taxar combustíveis, mas fazer isso agora é penalizar o consumidor, gerar mais inflação e descumprir compromisso de campanha”. Era uma resposta à entrevista do número dois de Haddad ao Estadão, Gabriel Galípolo, na qual ele defendeu a reoneração. Pela proximidade com Lula, o que Gleisi manifesta é lido na política como recado do próprio presidente.
Num efeito cascata, o líder do PT na Câmara, o deputado Zeca Dirceu (PR), endossou a mensagem da presidente do PT. “A prorrogação da desoneração deve seguir, na busca de não afetar o bolso da população”, afirmou também na rede social. O deputado Jilmar Tatto (PT-SP), secretário nacional de comunicação no PT, emendou, no Twitter, contra “o fim imediato da desoneração dos combustíveis”.
A redução dos preços virou bandeira do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que demitiu três presidentes da Petrobras e promoveu a desoneração para conter a alta, numa jogada que acabou virando uma dor de cabeça para seu sucessor e rival.
Amanhã, Lula tem uma reunião às 10h no Palácio do Planalto com Haddad, o presidente da Petrobras e o ministro da Casa Civil, Rui Costa. Este último representa a ala política. Até agora, o chefe do Executivo assiste em silêncio à fritura de Haddad e de Jean Paul Prates promovida publicamente pelo PT. O estilo de deixar a divergência vir a público para que ele arbitre é o mesmo que marcou os outros dois mandatos do petista. Desta vez, contudo, a agenda de Lula reforça que ele tem dado mais espaço para a ala política do governo.
Levantamento do Estadão mostra que, em quase dois meses de gestão, Lula teve 83 reuniões privadas com ministros da área política ante 14 com os da ala econômica. E há ministros desse último grupo que nem sequer foram recebidos, como Simone Tebet (Planejamento). O presidente esteve 33 vezes sozinho com o chefe da Casa Civil, o petista Rui Costa, e 11 vezes com Haddad.
As críticas do PT não avançam para um pedido de troca de Haddad ou do presidente da Petrobras. Tema que não está também na agenda do Planalto, ao menos por enquanto. Seja porque a mudança em pouco tempo de governo provocaria um desgaste para Lula, seja pela falta de alternativa. Com R$ 80 mil de salário no BNDES, ante os R$ 39 mil brutos pagos a Haddad, o economista Aloizio Mercadante já está adaptado ao Rio.
Razão pela qual o discurso para preservar Haddad numa eventual nova derrota já está sendo construído. “Quando aprovou a PEC da Transição para reajustar o salário mínimo era política de governo e do ministro da Fazenda também. Não dá para falar: quando é benéfico, é o governo. Quando é ruim, é o ministro da Fazenda”, afirmou Tatto, que foi secretário de Haddad.
Em entrevista ao Estadão, o ministro da Justiça, Flávio Dino, expôs, porém, o que está por trás das críticas à política econômica. Para Dino, se Lula tiver problemas na economia, a extrema direita liderada por Bolsonaro voltará à cena. “O governo Lula vai melhorar a vida do povo? Se a resposta for sim, o golpismo tende a ser uma força declinante. Se o governo enfrentar dificuldades no resultado, aí abre espaço para a emergência do golpismo.
Não à toa, Lula deixou claro que iria dar a última palavra na pauta econômica. Em discurso em 2 de dezembro do ano passado, o petista avisou que seria dele a palavra final sobre as decisões da política econômica. “Quem ganhou a eleição fui eu. Quero ter inserção nas decisões de economia. Sei o que é bom para o povo, sei o que é bom para o mercado”, afirmou na ocasião.
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