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“Vale a pena não dormir para esperar” (por Mirian Guaraciaba)

Uma rajada de esperança aqueceu nossos corações em luto, na noite de domingo. Veio da Colômbia. O economista, ex-senador, ex-prefeito de Bogotá e ex-guerrilheiro Gustavo Petro foi eleito primeiro presidente de esquerda na história do país vizinho. Com ele, no Palácio de Nariño, estará na vice-presidência a advogada e ativista social Francia Márquez, primeira mulher negra, ex-empregada doméstica, a assumir uma função no executivo colombiano.

A vitória de Petro tem significado histórico. Não só para os colombianos. Para os sulamericanos. E para nós que, há seis anos, convivemos com o que há de pior na política brasileira. O golpista Michel Temer roubou dois anos e sete meses do governo Dilma, abrindo espaço para o retrocesso e o fascismo. Nunca esquecer que o ex-juiz, ex-ministro, ex-candidato à Presidência Sergio Moro foi decisivo na armadilha da extrema direita.

Menos de 3 meses e meio nos separam do dia 3 de outubro. A eleição de Gustavo Petro nos dá a certeza de que é possível, sim, nos livrarmos do ogro eleito em 2018. Foi assim no Chile, em dezembro último; no Peru, há um ano; na Argentina, em 2019. Foi assim na Colômbia. O adversário de Petro, Rodolfo Hernández, da Liga de Governantes Anticorrupção, ultra conservador, respeitou a Constituição e o resultado das urnas: admitiu a derrota poucos minutos depois da consagração de Petro, com 50,50% dos votos, enquanto somava pouco mais de 47%.

O avanço da esquerda na América do Sul assombra Bolsonaro. Os números desfavoráveis das pesquisas eleitorais deixam o sujeito nervoso. Anda vendo fantasmas. Acredita que existe uma “cabeça de burro” enterrada por aqui “forçando a gente para o lado esquerdo”. Faz ameaças à democracia dia sim, outro também. Prega contra a urna eletrônica e a Justiça Eleitoral.

Sim, provavelmente deve ter uma cabeça de burro enterrada por aqui, encravada pelo próprio no Palácio do Planalto, em 2018. Que a leve quando sair, em janeiro de 2023. Que a enterre num condomínio da Barra da Tijuca. Seu único fantasma, a partir de então, será a assombração da Justiça. Terrena.

Bruno e Dom

As eleições na Colombia são auspiciosas, embora nossos corações continuem atormentados. O indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillps foram cruelmente assassinados por milicianos da Amazônia. Por protegerem a Amazônia. A policia não chegou aos mandantes. Vamos continuar cobrando, de todos os cantos do Planeta.

Sabemos, entretanto, que o caminho estava livre para a barbárie. E não de agora.

Um dos maiores indigenistas do Brasil, Sidney Possuelo, hoje com 80 anos, lembra que “quando deputado federal, Jair Bolsonaro, em breve e leviana manifestação na Câmara dos Deputados, afirmou que a ‘cavalaria brasileira foi muito incompetente. Competente, sim, foi a cavalaria norte-americana que dizimou seus índios no passado e hoje em dia não tem esse problema no país’.

O indigenista afirma que Bolsonaro ofendeu “crença”, “desejos” e “memória” de marechal Rondon e “por extensão o Exército Brasileiro”. Há uma semana, Possuelo devolveu à Funai a medalha do Mérito Indigenista, merecida há 35 anos, depois de saber que Bolsonaro – que gostaria de ver os indios dizimados – recebera a mesma medalha. Possuelo, em 1991, demarcou, em nome do governo brasileiro, com “companheiros da Funai” a Terra Indígena Yanomami. “Disso nos orgulhamos”.

Tristemente, o Brasil é hoje um dos países com maior número de assassinatos de militantes em favor da terra e do meio ambiente, segundo a ONG Global Witness, baseada em dados da Comissão Pastoral da Terra. Em 2020, foram 20 assassinatos no Brasil. O País ocupa a quarta posição entre 22 nações acompanhadas pela ONG.

São dezenas os casos sem solução: o assassinato a tiros do colaborador da Funai Maxciel Pereira dos Santos, em Tabatinga (AM), em setembro de 2019. Maxciel trabalhava no Vale do Javari, como Bruno. E o brutal assassinato do líder indígena Paulo Paulino Guajajara, que integrava o grupo Guardiões da Floresta.

Numa terra sem lei, sem policia, sem proteção, sem governo, essa história não terá fim tão cedo. Nossos corações em constante sobressalto. A milicia não vai parar. Ainda assim … vale a pena a esperança despertada por PETRO. E recitada por Thiago de Mello.

Na prisão, durante a ditadura, Thiago viu seus versos rabiscados na parede da cela. Sua luta em defesa dos direitos humanos, fazia eco:

Faz escuro mas eu canto,
porque a manhã vai chegar.
Vem ver comigo, companheiro,
a cor do mundo mudar.
Vale a pena não dormir para esperar
a cor do mundo mudar.
Já é madrugada,
vem o sol, quero alegria,
que é para esquecer o que eu sofria.
Quem sofre fica acordado
defendendo o coração.
Vamos juntos, multidão,
trabalhar pela alegria,
amanhã é um novo dia.

 

Mirian Guaraciaba é jornalista 

O post “Vale a pena não dormir para esperar” (por Mirian Guaraciaba) apareceu primeiro em Metrópoles.

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